Esse miniconto foi escrito durante uma oficina de desembaraço textual da Esc. Escola de Escrita em 2024. Em termos gerais, o objetivo era escrever uma narrativa explorando uma angústia aleatória proposta por nossos colegas. Como não sei nada de culinária, tive que confiar no meu conhecimento passivo de alta gastronomia adquirido ao longo de temporadas de Master Chef para dar vida a essa personagem.
Boeuf Bourguignon com purê de raízes trufado, assado de cordeiro com crosta de pistache e couscous marroquino, risoto de trufas negras e parmesão Reggiano, queijo brie em massa folhada com mel de ervas e amêndoas, terrine de foie gras com pera e uma redução ao vinho tinto, filé de robalo negro com risoto de tinta de lula, ostra gratinada com espinafre e molho Mornay, bisque de lagosta com brandade de bacalhau e croutons de alho crocante. Anos e anos de Le Cordon Bleu e usando tudo o que aprendi da alta gastronomia para fazer e refazer esses e outros pratos várias e várias vezes à perfeição, para satisfazer a alguns dos paladares mais requintados e exigentes do país. Pessoas ricas viajam de outras cidades para experimentar meus pratos e para poder se gabar disso ao conversar com seus amigos. Trabalhei duro em restaurante com Estrela Michelin, aguentei chefs arrogantes e soberbos, que acreditam que ser condescendentes e menosprezar seus sous-chef serve para estabelecer dominância e mostrar sua própria competência.
Passo dias e semanas exaustivos agradando aos outros no meu restaurante, mas quando chega o jantar ou os almoços de final de semana, trago essa sofisticação cultivada com toda a minha experiência e história para casa, fazendo de tudo para dar ao meu marido e meus filhos almoços caprichados e refinados, porque são os paladares deles aqueles que eu realmente faço questão de agradar, porque mais importante do que agradar a um ricaço arrogante, o que eu mais quero é agradar à minha família.
Tudo isso para quê? Para chegar domingo, no almoço na casa da minha sogra e sermos servidos com o ilustríssimo cardápio de um arroz empapado, feijão aguado e fígado acebolado, tendo que ver meus filhos se empanturrar, pedirem mais e falar sobre como a comida da vovó é maravilhosa e mais gostosa do que a comida deles lá de casa.
E ela, aquela piranha inculta, ainda tem a audácia de me olhar com aquele sorrisinho cínico dela e me dizer: “se quiser, eu te passo a receita e te ensino a fazer do jeitinho que eles gostam”.
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Flávio Stresser
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